Espiritualidade versus Religião, a demanda

 
Nascida, criada e educada no seio de uma família católica, apostólica, romana, orientação esta complementada com um internamento num colégio gerido por uma ordem religiosa, as Salesianas, acabou por acontecer comigo aquilo que, penso, já seria de esperar por parte de qualquer ser humano inquisitivo: 
"degenerei", afastei-me do redil em que me encontrava, pela simples razão de não conseguir encontrar respostas plausíveis para as múltiplas questões que inundavam os meus pensamentos ...Virou-se o feitiço contra o feiticeiro!...

Queria mais, queria perceber, precisava de compreender e o argumento que me era dado e repetido até à exaustão, o da necessidade de ter Fé, uma das 3 virtudes teologais que transformava em eleitos aqueles que por ela eram contemplados, não servia de resposta para mim e muito menos seria o principio e o fim do que era veiculado como mistério.

Nunca entendi nem consegui interiorizar a noção de "pecado" e muito menos a de "pecado original" lá, onde não consegui nunca descortinar o mesmo.

Entretanto, enquanto mãe, sobretudo com o meu segundo filho, vi-me confrontada com um sério dilema:
o que fazer, que orientação dar em termos de cultivar, alimentando, uma dimensão espiritual que sempre considerei ser imprescindível ao ser humano, quando eu própria estava cada vez mais céptica e afastada dos rituais papagueados, completamente descontextualizados, mecanizados de que enferma a  Igreja católica?!...
Depois de debater o problema com pessoas que considerava e considero bem formadas e nas quais confiava, acabei por fazer o que, na altura, me pareceu ser o mais acertado atendendo ao facto de, entretanto, não ter quaisquer outros termos de comparação: inscrevi-os na catequese com o intuito de lhes dar um instrumento, uma ferramenta que eles depois trabalhariam conforme entendessem, quando chegasse o momento de tomarem as suas decisões e escolhas individuais.
Acompanhei-os nestes rituais como os acompanhei nas suas diferentes etapas escolares, mas sem o fervor que se impunha à transmissão da mensagem, sem a convicção necessária ao despertar de outras convicções, só mesmo por obrigação, só mesmo com o objectivo de cumprir a missão que tinha imposto a mim própria ...
E assim foram decorrendo os anos, com a catequese (sempre ministrada por pessoas muito bem intencionadas mas às quais faltava a preparação que entendo seria exigível nesta missão) e depois os escuteiros, no caso do meu filho mais novo...

Até que um dia, e na sequência do turbilhão de notícias e informações que vieram a público sobre o escândalo, a persistência e dimensão dos abusos de cariz sexual perpetrados por inúmeros membros do clero (ao longo de décadas e em várias regiões do planeta) o meu filho, cada vez mais sorumbático, desencantado e em estado de choque me abordou confessando-me, com algum desgosto, que não poderia continuar a ser escuteiro, uma vez que tinha perdido as suas convicções e que a crença e prática da religião católica eram uma condição sine qua non para os poder integrar !...

Ilustr. We are Humanity/FB
(Novembro 15, 2021)

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