Nelson Mandela, as desvantagens do continente africano
«...Eu nasci na zona oriental do Cabo, uma região da África do Sul muito semelhante àquela que vos é tão bem descrita por Thomas Hardy. Era um mundo de tradição oral, em que os cuidados terapêuticos eram à base de ervas, um abcesso era tratado com cataplasmas e não havia água potável.
Predominavam as gastroenterites, a malária e a cólera.
A vida era curta e ameaçadora.
A electricidade e carruagens sem cavalos não existiam, para mim.
A dureza e pobreza da existência era agravada por uma estrutura social caracterizada pela indiferença. Era suposto as Colónias serem exploradas, tanto pela Nação colonizadora como por todos aqueles que chegaram para se instalar na nossa região.
Ainda fresco nas memórias da velha geração dos mais pobres dos pobres e falado num tom sussurrante, o que era dito ser um negócio extremamente lucrativo, que se dizia ter sido abolido - era o negócio da escravatura.
Passei toda a minha juventude e idade adulta, juntamente com outros, a lutar contra um sistema tão injusto como opressivo.
Hoje em dia, muitos leaders Africanos contariam, exactamente, o mesmo.
E quando vocês avaliam as realizações e insucessos em África, deverão ter sempre em consideração este contexto.
Um dos maiores erros cometidos por vários comentadores políticos da actualidade é julgar-nos pelos mesmos parâmetros com que julgam os políticos dos velhos e desenvolvidos países industrializados esquecendo-se de que, durante mais de três séculos foram negados, ao nosso povo, os privilégios que vocês tinham como garantidos.
Vocês foram para as melhores escolas do país - bem equipadas, com professores altamente qualificados; salas de aulas devidamente equipadas, com todos os recursos de aprendizagem; onde a Língua falada na escola era idêntica à que era praticada em casa; com pais com um elevado nível educacional, capazes de ajudar os seus filhos a compreender conceitos sofisticados para a sua tenra idade.
Mas se considerarem a situação dos negros, em África, deparam-se com uma realidade bem diferente. Crianças que vão para a escola sem qualquer tipo de recursos de aprendizagem. Ensinados numa Língua que não é a deles por professores, frequentemente, pouco qualificados.
As crianças regressam da escola para junto de pais que, normalmente, não têm qualquer tipo de background educacional. Crianças pobres que comem papas de aveia ao pequeno-almoço, ao almoço e ao jantar, sendo incapazes de se concentrar.
Grandes famílias com pouco espaço para se moverem.
Uma criança que partilha um quarto com três ou quatro outras pessoas.
Sem mesa e sem cadeiras.
Que faz o seu trabalho de casa, no chão.
São estas, as pessoas que vivem actualmente em África e tenho a esperança de que, ao fazerem as vossas avaliações, tenham em consideração este contexto.
As pessoas que, hoje, governam em África, são pessoas que nunca tiveram a oportunidade de treinar a arte da governação, ao contrário de muitos de vós.
E não tenho dúvidas de que terão isto em mente, ao examinarem toda a situação em África...»
Nelson Mandela, "Africa and its Position in the World Today"
LSE, Abril/2000,
Trad. e adaptação
Maria M. Abreu
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