O Golem, lenda yiddish
« Há muito tempo, na cidade de Praga, na Boémia, reinava o terrível imperador Rudolfo II, o Católico.
Em nome da sua fé, perseguia os judeus e os protestantes.
Os tribunais e as prisões estavam repletos de pessoas pobres que eram condenadas à morte pelo facto de rezarem de uma forma diferente da de sua Majestade.
Ora, na madrugada de um dia do mês de Nissan (Março), o conde Jan Bratislawski acabava de perder ao jogo os últimos ducados da sua imensa fortuna e ainda mais do que aquilo que lhe pertencia.
Este homem sem honra tinha delapidado os seus bens a guerrear em vão, a jogar, a beber e a festejar.
A sua mulher tinha morrido de desgosto deixando uma filha, Hanka, à qual tinha deixado em herança as suas joias, no valor de mais de um milhão de ducados.
Na mesma época, na cidade de Praga, vivia Reb Eliezer Polner.
Era um banqueiro judeu amado e conhecido não só na Boémia como, também, no resto da Europa, pela sua caridade incansável.
Reb Eliezer já era velho e, para sua infelicidade, era o banqueiro do conde Bratislawski, a quem tinha emprestado muito dinheiro e que, claro, nunca foi devolvido pelo conde.
No escritório de Reb Eliezer, o conde Bratilawski gritava:
- Empreste-me o dinheiro! Preciso dele!
- Não, vossa senhoria, respondeu Reb Eliezer, já deveis demasiado ao meu banco. Não vos emprestarei mais nada.
- Judeu! Terei o dinheiro, cuspiu o conde. Pagarás caro a tua insolência. Lembrar-te-ás do que te digo no momento em que fores enforcado.
“A vida e a morte estão nas mãos de Deus”, pensou Reb Eliezer e, como estava a poucos dias da Páscoa hebraica, foi para casa estudar a Bíblia e o Talmud até ao jantar.
Da cozinha saíam odores a festa. Em particular os dos matzot, os pães da Páscoa, que estavam no forno.
Ora, nessa mesma noite, os soldados do imperador irromperam pela casa de Reb Eliezer, amarraram-no e levaram-no para a prisão sem explicação.
Todos os judeus do ghetto souberam, assim, que o terror iria também atingi-los…
Viraram-se, então, para o único homem que podia afastar o mal, pelas suas orações e a sua imensa cultura: o rabi Loew (1513-1609) .
Assim que o rabi começou a rezar com fervor pela salvação de todos apareceu-lhe um anjo cujo olhar tinha a profundidade do céu.
- “Que a paz esteja contigo, Justo entre os justos!”, disse-lhe o rabi. Um terrível infortúnio atingiu os judeus de Praga! O juiz vai condenar à morte Reb Eliezer, pelo assassínio de Hanka, a filha do conde Bratislawski. O conde acusa-o de ter morto a sua filha para misturar o seu sangue aos matzot. É falso e nós sabemos que o conde quer apoderar-se das jóias que a sua mulher legou a Hanka para pagar uma dívida de jogo. Mas a pequena desapareceu e nós não sabemos o que fazer.”
- “Sei tudo isso, respondeu o anjo. Vim para te deixar uma mensagem:
Com argila, moldarás um golem. Gravarás na sua fronte um dos nomes de Deus e, com o poder do Nome Sagrado, sereis salvos. Ele viverá o tempo necessário para cumprir a sua missão e o seu nome será José.”
Depois a imagem do enviado celeste desapareceu docemente.
O rabi Leib foi ao rio e juntou uma grande quantidade de lama que meteu em sacos de lona. Levou os sacos para o sótão da sinagoga e lá, com a argila que recolheu modelou, com as suas mãos, um gigante de forma humana.
Depois deu-lhe vida gravando na sua fronte, com letras minúsculas, um dos nomes secretos de Deus, aquele que o anjo lhe tinha murmurado.
Assim que a última letra foi escrita, o golem respirou e endireitou-se.
O rabi Loew disse-lhe:
- Estás a ouvir-me, Golem?
- Sim, respondeu o golem em tom cavernoso.
- Golem, doravante chamas-te José. Vens da terra e a terra tudo sabe. Vai e procura Hanka. Quando a encontrares, vais trazê-la, para podermos provar aos nossos inimigos que são falsas as suas acusações.
- Sim, respondeu o golem com uma voz tão assustadora que fez tremer as paredes.
No tribunal, no dia do julgamento de Reb Eliezer, as mulheres choravam na sala de audiências enquanto o juiz vociferava:
-Vós, os judeus e o vosso maldito Talmud, estais sedentos do sangue dos católicos. Toda a vossa comunidade é responsável.
O conde Bratislawski julgava ter atingido os seus objectivos e rejubilava quando se ouviu o ressoar de uma porta partida.
Apareceu um gigante com uma menina nos seus braços. Pousando-a no chão, a criança correu imediatamente para junto do conde, enquanto exclamava “Papá!”, “Papá”.
Era Hanka, que tinha sido encontrada pelo golem numa cave do castelo do conde, onde o seu pai a tinha escondido.
O juiz libertou Reb Eliezer e condenou o conde Bratislawski ao exílio.
O rabi Leib apagou o Nome Sagrado da fronte do golam para o adormecer e disse-lhe:
- Tu vens do pó e ao pó irás tornar. O pó regressa à terra de onde veio. »
"Lire et Récréer"
Tradução e adaptação: Maria M. Abreu
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